29.6.07

Pega-rapaz

Bovary, embarcando para Paris na primeira classe da Air France esta tarde, parou no último degrau da escadinha e olhou para trás. De écharpe no pescoço e segurando seu chapéu, deu um tchau de miss para as meninas e disse:

- Garotas, não desistam de seus sonhos.

No mesmo momento, Shirley trampava de garçonete para financiar sua roadtrip pela América Latina.

***

É. Como dizem: algumas coisas nascem para morrer.

Este blog, por exemplo, nasceu com uma finalidade única. Sua missão foi cumprida. O melhor de tudo foi apanhar o apanhador sem enfiar o salto nos campos de centeio.

18.6.07

Se hoje eu deixasse minha imaginação livre, estivesse desempregada e encontrasse uma folha de caderno, escreveria assim:



3.6.07

A telefonia brasileira III

- Alô!
- Oi, meu nome é Sheyla, com quem estou falando?
- Luisa.
- Senhora Luisa, me desculpe estar conversando por telefone com você. Mas como você mora em prédio, esta seria a única maneira possível, tá? Sou de uma organização internacional e estou fazendo uma pesquisa.
- Ahn?!
- O que a senhora pensa sobre a vida?
- A pesquisa é isto: o que eu penso sobre a vida?
- Sim.
- Ah, me desculpe. Eu penso muitas coisas. Mas agora estou ocupada para de fato pensar nela. Será que você poderia me ligar em outra hora?
- Claro. Quando eu poderia estar ligando?
- (ai!) Hum, me responde uma coisa antes.
- Claro, senhora Luisa.
- Você é do setor de reclamações?
- Senhora Luisa, agradecemos sua atenção. Tenha uma boa tarde.

1.6.07

Filho de peixe...

Quando alguém lá em casa encosta em um saquinho de supermercado, o Bisou começa a pular, latir, rosnar - acreditando que vai passear.

Se eu troco de sapato e coloco um tênis, ele começa a pular na minha frente, e logo sai correndo para cheirar a coleira.

É eu encostar na coleira (que ainda está pendurada) que o gordo fica na posição certa para que eu possa colocá-la nele.

Quando ele está na coleira, tenta atravessar a porta de casa antes de eu abrir.

Ele desce os seis andares de escada como se houvesse um incêndio no prédio.

O Bisou não consegue esperar o portão abrir. Outro dia atravessou o da garagem.

(Teve uma vez que ele pulou para fora do carro, pela janela, antes de eu desligar o motor.)

30.5.07

O trevo e a vassoura

Coisas que só meu repórter preferido, o senador Gabriel Kwak, poderia ter escrito:

"'A maioria que era contra Adhemar se tornou janista', explica o professor Cyro Catta Preta, ex-prefeito de Orlândia e um dos oradores mais primorosos que o estado já teve"

Sobre Afonso Arinos de Melo Franco:
"historiador, professor de Direito Constitucional e membro da Academia Brasileira de Letras, uma das mais altas expressões da oratória nacional, dono de uma das mais bem fornidas bibliotecas particulares do país, homem cavalheiresco, cheio de maneiras fidalgas e mesuras"

Para descrever em que consistiu o confinamento de Jânio Quadros no Hotel Santa Mônica, em Corumbá, durante 120 dias do ano de 1968:
"O calor de Corumbá era insuportável, somente tolerável pelo ar-condicionado do quarto do ex-presidente. Tão escaldante era a temperatura na cidade que as galinhas morriam 'sufocadas em plena rua'"

O trevo e a vassoura - os destinos de Jânio Quadros e Adhemar de Barros. A Girafa Editora.

Compre e leia.

E não se esqueça das notas de rodapé.

29.5.07

O trevo

12:30:00 Tchau, chefe! Estou indo almoçar.
12:30:15 Ao lado da porta do prédio, há uma escada. A rua está movimentada, cheia de mulheres recém-endividadas nas Pernambucanas e na Marisa. Odeio calçadas cheias. Escolho passar por debaixo da escada.
12:30:17 “Ê, essa aí não tem azar mesmo!”, diz o cara que, às 12:30:45, estaria lá no último degrau.
14:14:14 É, às vezes eu gosto mesmo de pensar que sou uma garota de sorte. Às vezes.

26.5.07

Quando decidiu que não valia a pena conhecê-la melhor porque nunca iria se apaixonar, ele não sabia de algumas coisas.

Não sabia que se ela está dirigindo e passa em uma série de buracos, não consegue tirar o pé do acelerador. E que o carro dela pula mais do que todos os outros - porque além do impulso dos buracos, há as curtas e firmes aceleradas.

Ele não sabia que no ônibus ela é igualmente desajeitada: por mais que calcule quanto peso deve deixar em cada perna para se segurar bem durante uma curva, ela sempre quase cai.

Não havia percebido que ela tem mania de raspar a ponta das unhas crescidas nos outros dedos, só para se lembrar de não voltar a roê-las.

Ignorava sua mania de somar os números das placas dos carros – e sua conseqüente irritação com resultados não-múltiplos de três.

Não se dera conta de que “Minha imaginação é foda” não é apenas uma comunidade do Orkut.

Confundia sua distração ao ouvir música boa com o fato de ela imaginar, por todo o tempo de duração da faixa, que o intérprete estava ali na sua frente, cantando para ela.

Ele não notara que ela está no detalhes – justamente naqueles em que tenta se esconder.

16.5.07

Do jeito que a coisa vai II

Estou fazendo dois cursos: um nas noites de sexta e outro, aos sábados. Juntando isso com o bruxismo da semana inteira, fico bastante cansada. Decidi, então, para melhor meu aproveitamento escolar, não sair na sexta-feira. Agora eu chego em casa - no máximo, vejo um filme - e vou logo pra cama.

Pois estava eu, às dez horas desse sábado, esperando, com a cara amassada, a aula começar. Chega uma senhora (mais de 70 anos), conversando com sua amiga:

- Ontem eu fui no HSBC, para aquela maratona de filmes. Vi três, da meia-noite às seis da manhã. Dormi uma hora e meia esta noite!

Ela estava animadíssima. Eu, com aquele mau-humor de quando acordo.

Algo está muito errado...

***

Já que a ironia tem sido a única força encadeadora dos fatos da minha vida, penso que eu poderia ser personagem de livro. Se isso acontecesse, e se a capa fosse negra, eu teria uma epígrafe para sugerir - aquela frase de Marx :

Hegel faz notar algures que todos os grandes acontecimentos e personagens históricos ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia e a segunda, como farsa.

13.5.07

Esta semana tomei o maior esporro do chefe. Em vez da habitual 1h30 que tenho para o almoço, acabei gastando duas horas. Acabei perdendo ligações, prazos, pautas.

É que eu estava no restaurante de todos os dias (um na frente da firma, que serve a refeição dividida em panelinhas. Uma graça), comendo, como sempre, sozinha. E lendo o Camilo Vannuchi. Uns policiais que trabalham no DP ali da rua chegaram e, também como lhes é costume, se sentaram na mesa ao lado. E começaram a discutir:

- Sabe o que deveria ser proibido?
- Mulher gorda de calça justa?, brincou o único deles que, se fosse mulher, só poderia usar roupas largas.
- Não. Quer dizer, isso também, mas...

A conversa que se seguiu não interessa. Até porque eu não consegui prestar atenção. Sabe quando a gente ouve uma coisa e fica se encarando no espelho, pensando o que certa afirmação tem a ver com a gente? Pois é. Não tinha espelho, mas essa era a minha situação. Eu estava com uma dessas calças de ginástica - fusô, legging, como você preferir. E uma blusa lilás bem viva - que se apagou quando meu rosto ficou vermelho.

Não tive coragem mostrar a minha calça justa pra eles. Tive que aguentar a maior conversa fiada de policial até que eles fossem embora. Só depois eu fui.

17.4.07

Havia uma senhora no século XVII com uma disciplina de estudo interessantíssima. Para cada lição a que se propunha aprender, ela cortava o cabelo em certa altura. Se quando chegasse novamente àquele ponto ela ainda não tivesse aprendido, cortava de novo.

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Penso que, do jeito que a coisa vai, eu viveria para sempre careca.

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Ela decidiu ser freira como forma de poder estudar. Não concordava com o casamento e a posição da mulher na sociedade. Por amor à palavra, fez votos de pobreza e castidade.

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Penso que, do jeito que a coisa vai, é tudo uma questão de formalidade... bem, quem sou eu pra pensar?